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Gilberto Gil transcende o ‘tempo rei’ com fogo eterno do palco em turnê que celebra a obra e a trajetória do artista

Gilberto Gil no palco da Farmasi Arena, na segunda apresentação do show ‘Tempo rei’ no Rio de Janeiro (RJ) Prídia / Reprodução Instagram Gilberto Gil ...

Gilberto Gil transcende o ‘tempo rei’ com fogo eterno do palco em turnê que celebra a obra e a trajetória do artista
Gilberto Gil transcende o ‘tempo rei’ com fogo eterno do palco em turnê que celebra a obra e a trajetória do artista (Foto: Reprodução)

Gilberto Gil no palco da Farmasi Arena, na segunda apresentação do show ‘Tempo rei’ no Rio de Janeiro (RJ) Prídia / Reprodução Instagram Gilberto Gil ♫ OPINIÃO SOBRE SHOW Título: Tempo rei Artista: Gilberto Gil Data e local: 30 de março de 2025 na Farmasi Arena (Rio de Janeiro, RJ) Cotação: ★ ★ ★ ★ ★ ♬ Gilberto Gil faz 83 anos em 26 de junho, daqui a três meses. Mas ontem, 30 de março, no palco da Farmasi Arena, foi se como o Buda nagô – epíteto que Gil criou para Dorival Caymmi (1914 – 2008) em 1992 e que já personifica o próprio Gil – fosse o bebê com bumbum que cheira a talco na magia da cena. Sim, no arco retrospectivo do show Tempo rei, o artista transcende os ciclos da vida com o fogo eterno do palco. Ao longo de duas horas e meia de show, o cantor, compositor e músico baiano celebrou a grandeza de obra autoral construída desde 1962 na cidade natal de Salvador (BA), capital da Bahia que não lhe sai do pensamento – como sublinhou ao sair do palco ao fim do bis, após cair no samba Aquele abraço (1969), com citação instrumental de Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso, 1938). No roteiro que totalizou 29 músicas, sem contabilizar as citações de outras nove músicas, Gil deu ênfase ao período 1965 – 1984, ciente de que o suprassumo do cancioneiro reside nos primeiros 20 anos da trajetória artística impulsionada a partir de 1965 no Rio de Janeiro (RJ), cidade onde a turnê Tempo rei aportou neste fim de semana após estrear em Salvador (BA) em 15 de março. Se Marisa Monte foi a convidada surpresa da estreia carioca, tendo cantado A paz (João Donato e Gilberto Gil, 1987) com o anfitrião na apresentação de sábado, ontem foi Lulu Santos quem surpreendeu o público ao entrar no palco para se unir a Gil no passo de Andar com fé (1982), cantando e tocando gaita. Com figurino de cores invertidas em relação ao usado na estreias da turnê na Bahia e no Rio de Janeiro (o de ontem era camisa branca e calça vermelha), Gil prescinde de convidados para atrair o público no giro da turnê Tempo rei por obra que concilia diversos gêneros da música brasileira, tendo sido criada no violão, a azeitada máquina de ritmos de Gil. Pode-se lamentar a ausência de uma ou outra música importante na discografia do artista, como Super homem, a canção (1979) ou Parabolicamará (1992), assim como pode-se questionar o apego excessivo aos rocks da fase pop da primeira metade da década de 1980, já que a lembrança de Punk da periferia (1983) tornou dispensável o esquecível Extra II – O rock do segurança (1984). Nada, contudo, empanou o brilho de show que rondou a perfeição. Tanto pela voz já mais grave de Gil – viçosa e encorpada como há muito tempo não se ouvia o artista em cena – quanto pela afiada direção musical de Bem Gil, reverente à história do pai, mas com sutis toques de renovação nos arranjos, alguns criados coletivamente com a super banda arregimentada para a turnê com músicos do naipe do trombonista Marlon Sette, do acordeonista Mestrinho e dos percussionistas Leonardo Reis e Gustavo Di Dalva. Além de cantar, Gilberto Gil toca violão e guitarra no show ‘Tempo rei’ Prídia / Reprodução Instagram Gilberto Gil Em suma, Gil fez a festa ao rever a obra no espelho do tempo rei. “Nós nos reunimos aqui pela música, pela alegria”, disse o cantor, ao se dirigir ao público de domingo, 30 de março, após dar voz à canção de 1984 que batiza o show, Tempo rei. A diversão foi garantida e transcorreu em clima de congraçamento. O solo da sanfona de Mestrinho em Eu só quero um xodó (Dominguinhos e Anastácia, 1973) valorizou o xote apresentado ao Brasil na voz de Gil. Adornado com as cordas de quarteto feminino, o seminal samba Eu vim da Bahia (1965) apontou as origens da grande obra que Gil construiu ao beber nas fontes límpidas de mestres como o já citado Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga ((1912 – 1989) e João Gilberto (1931– 2019) antes de se irmanar com Caetano Veloso na arquitetura da Tropicália em 1967. Introduzida pelo canto em feitio de oração do tema tradicional Meu divino São José, Procissão (Gilberto Gil e Edy Star, 1965) passou majestosa por trilho nordestino em rota que desembocou no caminho tropicalista que deu em Domingo no parque (1967). O coro popular que bradou o lema “Sem anistia” – repetido pelo público a plenos pulmões, a ponto de abafar o diálogo virtual travado por Gil com o parceiro Chico Buarque (em imagem pré-gravada exibida no telão) – conferiu atualidade ao protesto político de Cálice (1973), canção que ecoou o horror da ditadura. O arranjo econômico priorizou o canto de Gil nesta imponente música de força bisada, números depois, com o canto e as cordas de Se eu quiser falar com Deus (1980), canção ouvida após Mestrinho citar Retiros espiritais (1975) na sanfona. Entre o tema político a canção espiritualizada, Gil reviveu as impressões londrinas de Back in Bahia (1972) – com pegada roqueira turbinada pelo peso da guitarra de João Gil – e encadeou as principais músicas da trilogia Re. Refazenda (1975) veio primeiro, seguida por Refavela (1977), tema em que Gil vislumbrou os ritmos que surgiam para renovar a black music universal. Número em que um globo espalhou luzes pela plateia, fazendo jus ao verso “Quanto mais purpurina, melhor”, Realce (1979) surgiu após mergulho na praia do reggae com Vamos fugir (Gilberto Gil e Liminha, 1984) e A novidade (Herbert Vianna, Bi Ribeiro, João Barone e Gilberto Gil, 1986). Na sequência, as vozes de Nara Gil e Mariá Pinkusfeld foram o brilho especial da doce bárbara canção Esotérico (1976). Indo e voltando no tempo rei, mas sem ir além dos anos 1980, ainda que somente tenha gravado em 1997 a canção Estrela (1981), cujo canto foi pretexto para céu estrelado no palco e na plateia iluminada pelas luzes de celulares, o cantor fez Expresso 2222 (1972) circular com o toque do pífano de Thiago Oliveira após citação de Pipoca moderna (Caetano Veloso e Sebastião Bino, 1975). Gil terminou a viagem na Bahia, ponto de partida da obra, citando Filhos de Gandhi (1973), cantando Emoriô (João Donato e Gilberto Gil, 1975) e levando o público a pular na cadência do estilizado ijexá Toda menina baiana (1979), número finalizado com citação do tropicalista Frevo rasgado (Gilberto Gil e Bruno Ferreira, 1968). Alavancada pela vitalidade de Gil, a turnê Tempo rei também se impõe – sob a direção artística de Rafael Dragaud – pelas imagens e efeitos visuais vistos nos telões e nos painéis circulares posicionados ao centro do palco em formato que evocam as fitas do Senhor do Bonfim populares na Bahia que não sai do pensamento de Gil. E é assim, entre a beleza da imagem e a força do som, que o nobre nonagenário Gilberto Passos Gil Moreira vem dando dribles no tempo rei ao subir no palco com um cesto de alegrias que estão fazendo a festa do público que segue o artista nesta histórica turnê retrospectiva. Gilberto Gil canta e/ou cita 39 músicas no roteiro do show ‘Tempo rei’ Prídia / Reprodução Instagram Gilberto Gil ♪ Eis as 38 músicas cantadas ou citadas no roteiro seguido por Gilberto Gil em 30 de março de de 2025 na segunda apresentação carioca do show da turnê Tempo rei no Farmasi Arena, no Rio de Janeiro (RJ), cidade que abriga o artista nascido na Bahia em 26 de junho de 1942: 1. Palco (Gilberto Gil, 1980) 2. Banda um (Gilberto Gil, 1982) 3. Tempo rei (Gilberto Gil, 1984) ♫ Aqui e agora (Gilberto Gil, 1977) – citação vocal 4. Eu só quero um xodó (Dominguinhos e Anastácia, 1973) 5. Eu vim da Bahia (Gilberto Gil, 1965) ♫ Meu divino São José (tema de domínio público) – citação vocal 6. Procissão (Gilberto Gil e Edy Star, 1965) 7. Domingo no parque (Gilberto Gil, 1967) 8. Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque, 1973) ♫ Bat macumba (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1968) – citação instrumental 9. Back in Bahia (Gilberto Gil, 1972) ♫ Tenho sede (Dominguinhos e Anastácia, 1975) – citação instrumental 10. Refazenda (Gilberto Gil, 1975) 11. Refavela (Gilberto Gil, 1977) 12. Não chore mais / No woman no cry (Vincent Ford, 1974, em versão em português de Gilberto Gil, 1979) ♫ Balafon (Gilberto Gil, 1977) – citação instrumental 13. Extra (Gilberto Gil, 1983) 14. Vamos fugir (Gilberto Gil e Liminha, 1984) 15. A novidade (Herbert Vianna, Bi Ribeiro, João Barone e Gilberto Gil, 1986) 16. Realce (Giberto Gil, 1979) 17. A gente precisa ver o luar (Gilberto Gil, 1981) 18. Punk da periferia (Gilberto Gil, 1983) 19. Extra II – O rock do segurança (Gilberto Gil, 1984) ♫ Retiros espirituais (Gilberto Gil, 1975) – citação instrumental 20. Se eu quiser falar com Deus (Gilberto Gil, 1980) 21. Drão (Gilberto Gil, 1982) 22. Estrela (Gilberto Gil, 1981) 23. Esotérico (Gilberto Gil, 1976) ♫ Retiros espirituais (Caetano Veloso e Sebastião Biano, 1975) – citação instrumental 24. Expresso 2222 (Gilberto Gil, 1972) 25. Andar com fé (Gilberto Gil, 1982) 26. Emoriô (João Donato e Gilberto Gil, 1975) 27. Toda menina baiana (Gilberto Gil, 1979) ♫ Frevo rasgado (Gilberto Gil e Bruno Ferreira, 1968) – citação instrumental Bis: 28. Esperando na janela (Targino Gondim, Manuca Almeida e Raimundinho do Acordeom, 2000) 29. Aquele abraço (Gilberto Gil, 1969) ♫ Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso, 1938) – citação instrumental